domingo, 23 de janeiro de 2011

Entardecer de ócio



Aos meus amigos, a quem gostaria de oferecer uma tarde assim.



Todos deveriam ter o direito de desfrutar de um entardecer de ócio. Todos, sem exceção, de todas as cores, credos ou procedências, jovens, adultos, idosos, deveriam, por direito, usufruir da beleza do por do sol, em perfeita ociosidade.

Bons ou maus, não tão bons, nem tão maus, pobres e ricos, trabalhadores e proletários, comunistas, socialistas, imperialistas, capitalistas e todos os "istas" possíveis, nenhum deles seria privado do direito de contemplar, imóvel e em completo descanso, o róseo do céu, o vermelho do sol que se põe no horizonte.

E ainda todos aqueles que amam e que odeiam, que choram e que riem, seja por alegria, seja por tristeza, seja por inveja, seja por raiva, os sinceros e os falsos, os cínicos, os irônicos, os confiáveis e os amáveis: sim, todos eles deveriam ter esse direito e dele usufruir...

Seria um entardecer de plena paz: sem desejos nem anseios, sem planos e decisões, sem projetos, sem perspectivas: apenas o céu e o sol. Mas também não haveria mágoas ou tristezas, lembranças e saudades, dores e temores. Nada. Apenas a tarde.

E a tarde seria bela: o céu de um azul perfeito, algumas nuvens, por que não? Afinal é possível a magistral beleza de um céu em que as nuvens deixam escapar feixes de luz.

No horizonte, aos olhos extasiados, se mostraria o rosa, o lilás e o dourado, emoldurando o disco vermelho que se despede, aos poucos, prenunciando a noite.

A tarde seria também perfumada e sonora. Perfume de flores no ar, nada forte, nada intenso, nada que perturbasse o recolhimento e o prazer daqueles instantes em que o tempo deixou de existir. Sons de pássaros, em voos rápidos, aos pares ou em bandos, ou ainda solitários, completariam a festa dos sentidos, sons e aromas, cores e luz, perfeição.

E nesse entardecer de ócio, total desprendimento de tudo que parece ser tão importante: coisas, pessoas, ações, até o tempo pareceria imóvel: uma pausa, um hiato, um momento de puro deleite, de entrega e interação. Seriam todos apenas um: ser e natureza, integrados. Sem pressa, sem tempo, sem nada.

Apenas a tarde.

Um comentário:

  1. Meu momento de ócio ao ler este texto tão aconchegante foi tarde da noite, que para os insones, equivale ao entardecer, o repousar do espírito. Curiosamente, uns meses atrás, vivi um momento de contemplação à Caeiro, em uma ensolarada manhã, então agradeço o deleite do seu entardecer com breves reflexões matinais de outrora:
    "Seres humanos nasceram para se movimentar, para percorrer caminhos, para agitar moléculas e átomos, para auxiliar o planeta a completar suas incessantes voltas em viagem ainda desconhecida. Tudo está em movimento, cada elemento compõe um personagem do cenário da existência e tudo flui em harmonia planetária, quando há sintonia entre os viventes da esfera. Pés testemunham um caminho que se refaz a cada percurso, cada parte da cena já estivera ali em outros momentos, mas os pés que já não são os mesmos de ontem, nem serão os mesmos de amanhã, conduzem uma ópera na qual sua comandante observa a sincronia plena: uma garça branca voando livremente, um jovem cãozinho branco correndo levemente, minha alma existindo plenamente, ladeada por pés de romã, um pé de café e amoreiras silvestres. A paz de espírito tingiu este quadro com novas nuances e luzes, como nunca antes se viu por ali. Plenitude. Beatitude.
    (Paula B. Pudo)
    Um beijo enorme de blogueira pra blogueira, rsrs

    ResponderExcluir