Um espaço para a prosa e a poesia de todo dia, um espaço para os textos que amamos, os textos que produzimos, os textos que geram outros textos...
Viver em prosa e poesia, sem perder a ingenuidade e a utopia, mas de olhos abertos para o que se mostra, para o que é presente, para o que machuca e para o que se sente.
Mexo em meus guardados e encontro, em papéis dobrados, ou no verso de calendários, pequenos textos escritos em momentos de espera, de descanso, de viagem, em que a inspiração veio e transbordou em forma de palavras... Passo a transcrever neste espaço, textos que surgiram a partir de situações vividas, algumas alegres, outras tristes, de esperança ou de mágoa. Afinal, isso não é viver? Momentos que se sucedem, sensações, sentimentos, muitas vezes esquecidos ou nem ao menos percebidos. Aqui vão portanto algumas destas linhas, traçadas em uma folha que o tempo amarelou.
Conheci o som do ukelele em minha adolescência. O som peculiar era comum em filmes de Elvis Presley e em comédias românticas que embalavam os sonhos de finais sempre felizes. Volto agora a ouvir e apreciar esse instrumento pelas mãos de meu filho que, apaixonado por música e percussão, ensaia seus acordes nos finais de semana, aqui em casa. Compartilho então um momento muito belo: um video em que o ukelele é tocado com maestria em meio a um mar que parece de sonho.
Can't Keep - Eddie Vedder
Youtube
Em busca de um texto para completar esta página, encontro um poema de José de Carvalho, autor que conheci à entrada do MASP, em São Paulo, há alguns anos. O livrinho (pequeno apenas no tamanho) traz poemas, haikais e fotos.
Segundo Marino Maradei Jr, que assina a apresentação do livro, "combinam-se claramente a sabedoria de Tsé, que inspirou o Taoísmo, e a sutileza poética do Bashô. O resultado conduz a um fluxo delicado e inteligente de exercícios que se traduzem numa idealização: a Beleza Absoluta"
PEIXE NA BOCA DE JACARÉ
Se não bastasse o ar que envolve a minha voz e esse silêncio uma imagem não se desgasta nunca
há sempre um novo sempre - a nos tocar fundo e não importa se fora ou dentro dormitam cenas fragmentos de um mundo inteiro. às vezes uma língua escavando em semicírculo o ouvido [em diálogos amenos de Aretino em outras, só planície, terra desolada pela seca onde erigiu-se uma estela aos sem destino.
e sendo um outro rio, me torno anfíbio e deslizo ao encontro de furtivas águas
CARVALHO, José de. Destas águas. São Paulo: Quebra Nozes, 2007.
Após quinze dias de esperadas férias, retorno à rotina de trabalho, encontrando os amigos queridos, as decisões a tomar, as tarefas a cumprir. Retorno ainda a este blog, do qual tirei férias também, pois a vontade era de apagar, por alguns dias, tudo aquilo que faz parte de meu dia a dia.
Agora, ânimo renovado, envio meu abraço aos meus visitantes, conhecidos ou não, esperando que tirem algum proveito do que encontrarão neste espaço.
PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃO
João Cabral de Melo Neto
- VII -
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.
É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavra.
É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita
In: MORRICONI, Italo. Os cem melhores poemas brasileiros do século.
Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.
CLARICE ESCREVENDO
Por que não tentar neste momento, que não é grave, olhar pela janela? Esta é a ponte. Este é o rio. Eis a Penitenciária. Eis o relógio. E Recife. Eis o canal. Onde está a pedra que sinto? a pedra que esmagou a cidade. Na forma palpável das coisas. [...]
Se esta foi uma palavra ecoando no chão duro, qual é o teu sentido? Como é cavo este coração no peito da cidade. Procuro, procuro. Casa, calçadas, degraus, monumento, poste, tua indústria.
Da mais alta muralha - olho. Procuro. Da mais alta muralha não recebo nenhum sinal. Daqui não vejo, pois tua clareza é impenetrável. Daqui não vejo, mas sinto que alguma coisa está escrita a carvão numa parede desta cidade.
Clarice Lispector: O manifesto da cidade.
In: Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro, Rocco, 1999.
Hoje não há palavras, nem rimas, nem versos... Nem ao menos aquela vontade de criar, que invade e exige a produção. Hoje, só preguiça. Falta a adrenalina do cotidiano e mesmo o cotidiano atual se arrasta. Lanço mão então de meus poetas preferidos para preencher a página e esta noite de inverno que mais parece verão.
Emergência
Mario Quintana
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Todo sentimento - Cristóvão Bastos e Chico Buarque de Holanda