sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

TEMPO





A persistência da memória
Salvador Dali

Três poetas, um pintor e um compositor.
A arte em três momentos: a poesia, a música e a pintura.
O tema, cada um à sua maneira e forma, é o Tempo.
Tempo de ver, de ler, de ouvir.
Mas principalmente, de sentir e de usufruir...

TEMPO-ETERNIDADE
Paulo Mendes Campos

O instante é tudo para mim que ausente
do segredo que os dias encadeia
me abismo na canção que pastoreia
as infinitas nuvens do presente.

Pobre de tempo fico transparente
à luz desta canção que me rodeia
como se a carne se fizesse alheia
à nossa opacidade descontente.

Nos meus olhos o tempo é uma cegueira 
e a minha eternidade uma bandeira
aberta em céu azul de solidões.

Sem margens sem destino sem história
o tempo que se esvai é minha glória
e o susto de minh'alma sem razões.

⚜⚜⚜⚜⚜

MOTIVO
Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

⚜⚜⚜⚜⚜

O TEMPO PASSA? NÃO PASSA
Carlos Drummond de Andrade

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor,  florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora, 
e o teu aniversário
é um nascer a toda a hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
 o apelo da eternidade.

⚜⚜⚜⚜⚜


Oração ao tempo
Caetano Veloso

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SALVADOR DALI. A persistência da memória
In: http://www.culturagenial.com/a-persistência-da-memoria-de-salvador-dali/
CAETANO VELOSO. Oração ao tempo. 
In: YouTube
CAMPOS, Paulo Mendes. Antologia poética. Rio de Janeiro: Fontana Expressão e Cultura, 1978.
MEIRELES, Cecília. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
ANDRADE, Carlos Drummond. Amar se aprende amando. Rio de Janeiro: Record, 1993.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

NA TERRA DO CARNAVAL




Nos próximos dias, não se falará mais do mar de lama e corrupção que tomou conta deste país.
Não se decidirá se  políticos são culpados ou inocentes, se o rombo desta ou daquela instituição é fruto deste ou daquele esquema...
Por quatro dias, nada será resolvido, discutido, avaliado.
O meu país entra em recesso: o que importa agora é o Carnaval!!!
Certo? Errado? Não sei. 
Sei que o povo vai às ruas, não mais para protestar, mas para cantar, dançar, divertir-se. Os que não saem à rua estão em casa, em descanso, talvez curtindo um churrasco com a família, ou vendo pela TV a folia dos outros.
Assim é o meu país.
E eu? 
Para mim, Carnaval é um momento de descanso da rotina de dona de casa, mãe, esposa, avó. Aproveito para sentar-me ao piano sem me preocupar com o tempo que passa, ou escrever algo neste espaço, ou ainda, digitar mais algumas páginas do romance que teima em não se dar por terminado.
Minhas lembranças de Carnaval são poucas e controversas.
Lembro-me da fantasia preparada por minha irmã para a matinê do clube da cidade.  Lembro-me do medo que tinha, bem pequenina, dos  bonecos que eram preparados em um galpão próximo à minha casa, para saírem no bloco, à noite;  medo também dos amigos de meus irmãos, já moços, que, fantasiados de gorila vinham brincar  comigo e com minha mãe.
Mas a lembrança mais marcante foi a de uma imagem que permanece na memória até hoje. Deveria ter uns dez anos e ia até à padaria em um domingo de carnaval, à tarde. No caminho, um bar com mesinhas e sobre uma delas uma bailarina - de pernas peludas - em um vestido rosa... Dançava e eu, pasma, olhava para a figura que sem dúvida era um de meus irmãos...
Havia inocência naquele tempo. Havia brincadeira nas ruas e nos salões. Havia alegria.
Hoje, em tempos de drogas, muita bebida, licenciosidade, e também de folias programadas, com ingresso, camarotes caríssimos, me pergunto se o Carnaval mudou para melhor ou para pior. Repito: não sei...
Mas é inevitável a pergunta: Quem mudou? Foi o Carnaval ou será que quem mudou fui eu...

Bom Carnaval!

Chico Buarque
Quem te viu, quem te vê
YouTube

Imagem: http://fitfoodideas.com.br/tag/carnaval