segunda-feira, 28 de julho de 2014

SEMPRE POESIA - 2: GOTAS DE CHUVA



http://umolharsonhador.blogspot.com.br

Gotas de chuva na janela
e o coração se agita
em dolorosas memórias 
de lama e dor.

Gotas de chuva na janela
e a alma enclausurada em esquecimento
apenas observa o correr das gotas,
sem lembranças...

Gotas de chuva na janela
e a mãe, o filho ao colo,
murmura preces,  
esperando um  milagre.

Gotas de chuva na janela
e a ansiedade adolescente  
 vê planos desfeitos, 
prazeres adiados.

Gotas de chuva na janela
e prenúncios de barcos  de papel na enxurrada
fazem sorrir o menino
antecipando folguedos.

Pensamentos vários, lembranças remotas,
e o verso brota e flui, riscando a página,
inconstante e fugaz como as gotas de chuva  na janela.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

CRÔNICAS DA MINHA TERRA: ESTÂNCIA DOS REIS






O barulho cadenciado das patas dos cavalos no calçamento da cidade é a lembrança remota, audível ainda, embora apenas em minha memória afetiva. Em seguida a chegada e o apear da charrete diante do portal em arco, pois o cavalo não passaria pelas madeiras assentadas uma ao lado da outra - o chamado mata-burros. Meus pés, pequeninos, pulando uma a uma imaginavam cenas de cavalos enormes com suas patas quebradas.
A mão da mãe, segurando firmemente, me encorajava e eu, bravamente, ultrapassava a barreira e entrava em um mundo mágico de prazer e beleza.
As lembranças se confundem e espaços harmoniosos vêm à minha lembrança: uma pequena ponte que levava a uma ilhota, uma nascente, onde fui informada de que os peixinhos que via correrem rápidos eram na verdade os futuros sapos e seu nome, que guardei para sempre, os girinos.
As árvores que faziam uma sombra agradável, o caminhar despreocupado, o domingo de sol.
Essas lembranças se confundem com outras, em que eu, já adolescente, junto a colegas de classe, participava de um almoço no amplo salão. Não havia mais a magia, nem o descobrimento de novas criaturas, mas sim a camaradagem, a amizade. Não me lembro de rostos, ou de falas. Sei que estavam todos lá. Estariam mesmo? A memória tenta preencher lacunas. Não há certezas...
Estância dos Reis. O espaço belíssimo, agradável, em local privilegiado, teve seu fim e em seu lugar um conjunto residencial se instalou. Somente restou a sede - o hotel - com sua arquitetura encantadora entre árvores e jardins.
O bairro cresceu, as ruas foram calçadas, novas construções, o progresso. Edifícios, comércio.
Ali voltei e por alguns anos, mas sem que as lembranças que hoje se instalam tivessem uma referência. Fui professora  na escola que se instalou no espaço preservado da antiga Estãncia: mais claramente: na antiga construção do hotel e em anexos ali construidos.
O tempo se encarregou de criar um novo perfil ao lugar, Crianças correm por ali, agora uniformizadas, e não mais em busca do conhecimento palpável do contato à natureza, mas em busca do conhecimento formal, da formação educacional. A magia, que tanto me encantava, não mais existe. A ilhota há muito deixou de existir e, se há girinos, eles se escondem em algum canto remoto, à sombra de olhos ávidos.
Tudo se foi. O espaço, as charretes, que não cabem mais neste trânsito de hoje, a mão firme e carinhosa da mãe, a inocência, a ingenuidade...
A antiga Estância dos Reis continua bela e vibrante apenas em minhas lembranças e naquelas dos que ali também brincaram em tardes ensolaradas de domingo.



segunda-feira, 14 de julho de 2014

CONVITE

Fiquei lisonjeada pelo convite feito pela Ana do blog (In)Cultura. Esta  amiga convidou-me a responder a algumas questões que refletem nosso posicionamentos perante a vida e as situações que enfrentamos. Obrigada, minha amiga.
Seguem as questões e as minhas respostas.




O mundo seria muito mais feliz se ...
as pessoas se preocupassem mais em Ser e não em Ter.

Uma amizade é realmente importante quando ...
não é preciso explicar-se. Ela se basta.

Paciência e tolerância são para mim ...
essenciais para uma vida tranquila.

Algo que me irrita profundamente é ...
a falsidade e a grosseria.

Acho que as pessoas mais humildes ...
são facilmente enganadas pelos maus políticos. Principalmente neste meu país. É preciso que a educação e a cultura não sejam privilégios de uma classe social mais favorecida.

Quando o dia amanhece nublado eu ...
eu me sinto feliz. Amo os dias nublados e chuvosos. (embora também seja feliz em dias de sol...)

Uma qualidade indispensável nas pessoas é ...
a sinceridade. Um amigo sincero não tem preço. 

Devo agora convidar seis pessoas para que respondam às questões propostas, a fim de continuar o desafio. Como disse a Ana, sintam-se à vontade para não aceitar o convite. 

Convido  
Maria Emília do blog  Mulher-Flor ou Flor-Mulher
Angelines do blog  El bosque de Trimbolera
Cristina do blog Sarau da Cris
AC do blog Interioridades
Gilson do blog Espaço Imaginário 
Lis do blog Simplesmentelis



domingo, 13 de julho de 2014

ARTE E EMOÇÃO - 1

A arte emociona.
O brilho do mármore da Pietá de Michelângelo é indescritível, e imaginar que a mão do homem tirou da pedra tanta beleza, nos faz ficar imóveis, apenas olhando, a perder-se  em suas linhas, formas, cor e brilho.
Outras emoções sentimos ao observar o painel Guernica, de Pablo Picasso. A força da imagem,  o contraste do preto e branco, as expressões angustiadas, conseguem nos incomodar, perceber e partilhar a revolta para uma situação de conflito.
Assim é a arte: para inundar nossos olhos, compreendendo ou não o que o autor pretende, mas sentindo, identificando-nos, apreciando ou rejeitando, mas sempre tocados por ela.
Hoje trago uma obra de um amigo especial. Excelente professor universitário, palestrante admirado por todos que participaram de suas apresentações e  - descubro agora - também um grande artista:  Professor Doutor Francisco Carlos Franco. Com sua autorização, reproduzo aqui a bela obra de arte produzida por ele.



PELAS RUAS ONDE ANDEI - MOGI
Francisco Carlos Franco

Para fechar esta postagem,  o poeta de todos nós: Manoel de Barros.


UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO
Manoel de Barros

XIII
As coisas não querem mais ser vistas por
pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul -
Que nem uma criança que você olha de ave.

MORICONI, I. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro, Objtiva, 2001. p.312.




sexta-feira, 4 de julho de 2014

SEMPRE POESIA - 1

VISÕES DE FAMÍLIA

Encontro um poema de Drummond, acompanhado de uma tela de Botero, em um  livro didático que usei muito em minhas aulas de Língua Portuguesa, por oferecer uma visão abrangente do uso da língua, não se atendo apenas às noções gramaticais.
Drummond, meu poeta preferido, várias vezes lembrado neste espaço, e Botero, o  pintor colombiano  que apresenta a figura humana sempre em formas arredondadas.
Imagem e poema retratando a visão do artista para um tema de alto valor afetivo.


FAMÍLIA
Carlos Drummond de Andrade

Três meninos e duas meninas,
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda noite
e a mulher que trata de tudo.

O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! Mas a esperança verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.

CEREJA, W.R.; MAGALHÃES, T.C. Gramática Reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo, Atual, 1999. p.106.

A família - Fernando Botero
1989
arteseanp.blogspot.com.br