sábado, 24 de março de 2018

QUASE

A gente quase perde o trem...
Por um minuto, por um segundo,
uma fração de segundo.
E o pensado, o planejado, o desejado
poderiam se desfazer no tempo e no espaço
nesse instante fugaz...
Quase...
A gente quase ganha na loteria...
Por um número apenas, apenas um.
E todos os sonhos se realizariam,
todos os problemas terminariam
e a vida seria complacente, 
os passos teriam rumos certos...
Por um número apenas.
Quase...
A gente quase morre
e a volta, muitas vezes, é dura e triste,
mas a vida se sobrepõe e a gente continua, 
sem se lembrar de que um dia o "quase" se interpôs
e o que seria fatalidade, tornou-se apenas recomeço.
Quase...
A força dessa pequena palavra
que é senhora e dona  do nosso destino
parece transcender o vocábulo,
assume a forma de um oráculo 
manipulando o futuro a seu bel prazer.
E a gente segue vivendo a vida
sem muito pensar.
sem muito perceber, 
ou talvez 
Quase...




Daúde
QUASE
Caetano Veloso e Antônio Cícero
YouTube

quarta-feira, 21 de março de 2018

POESIA MULHER




Google Imagens


O poema que trago hoje é de autoria de uma velha amiga. 
Embora o tempo e a vida tenham nos distanciado - apesar de vivermos na mesma cidade - a leitura de seus poemas me fez lembrar a jovem de porte altivo e confiante que participou do grupo teatral da cidade, do qual eu, por breve espaço de tempo, também fiz parte.
Participamos do TEM, Teatro Experimental Mogiano, espaço em que se representava a vida, em um momento crítico de nossa historia política; época de repressão e violência contra aqueles que ousassem manifestar-se contrários à situação.
Mas, o objetivo desta página, hoje, é trazer o belo texto de Regina Lúcia Moreira Gomes, publicado na coletânia ENCONTRO IX,  sob coordenação do também poeta Walter Aguiar.

Vem a propósito o poema sobre a mulher, já que vivemos novamente tempos difíceis, e as vozes que se elevam têm sido caladas com ameaças, violência e morte...

MULHER INTEMPORAL

Tenho andado à beira do mundo
nas beiradas das calçadas
nos beirais dos séculos.
Eu, mulher, intemporal,
sem antes, sem ontens,
sem amanhãs.
Estou na memória do tempo
nos milênios da história, sou o que foram antes de mim, 
eis meu futuro.
Mulher nas chamas da noite
nos apelos  do mundo,
mulher das grandes horas,
das decisões seculares, mulher branca, negra, colorida,
sempre mulher.
Tenho andado por entre sedas
e calçado tamancos,
tenho tido joias nas mãos
e as mãos sangrando nas lavouras
dos séculos,
tenho rido risos à toa
e chorado as lágrimas mais amargas.
Tenho sido tudo e todos,
tenho seios que atraíram e mataram
tenho tido seios que amamentaram
reis e povo.
Tenho andado à beira do mundo
com o ventre inchado de humanidade,
tenho andado nos beirais da vida.
Eu, intemporal, sempre mulher.

Regina Lúcia


Texto: Coletânia IX. Org. Walter AGuiar. Mogi das Cruzes, SP, 2015, Ed. do Autor, Ribson Gráfica 
Imagem: Google Imagens, Disponível em: https://zenyzenam.cz/blog/11-odpovedi-znacka-zena/