quinta-feira, 21 de setembro de 2017

AMOR FRATERNO



Neste fim de inverno, quase primavera, minha irmã completou 87 anos.
A aparência frágil esconde uma história de força e determinação, ultrapassando as adversidades que a vida impôs,com uma fé inabalável e a finura e delicadeza de uma dama. 
A grande diferença de idade entre nós, ela a mais velha e eu a caçula,  fez com que, durante minha infância sua figura fosse também materna para mim. Era ela a Inhá, já que, pequenina, eu não conseguia chamá-la como os demais, Vaninha. Era a Inhá e pronto.
Era ela quem fazia os desenhos na primeira página de meus cadernos de Artes, quem me ajudava a montar os panos de amostra das aulas de Trabalhos Manuais... 
Nosso contato continuou sempre harmonioso, mas o tempo fez com que as prioridades se impusessem, eu com meus estudos, ela com o marido e filhos. Entretanto estivemos sempre juntas, ao menos nas festividades da família, Natal, aniversários.
Nesta quarta feira, 19, reunimo-nos ao redor da mesa de sua casa, para um café com bolo. Não estavam ali a Professora Vânia, aposentada, o monge beneditino Dom José Carlos e eu, a Professora Jane. Não, ao redor da mesa estavam a Inhá, o Zé e a Janinha... A conversa fluiu tranquila e carinhosa, tentando manter as lembranças que teimam em desaparecer de sua mente...
Esse encontro me fez pensar no significado da família para os irmãos. Ou melhor, o significado dos irmãos para a família. Naquela mesa mantém-se o amor de meus pais. Perpetua-se. Temos nossas próprias  famílias, filhos, netos, mas os irmãos são a continuidade daquele primeiro amor.
A lembrança de nossa formação vem acompanhada do nosso relacionamento, das brigas, das brincadeiras. E, para mim, lembranças da infância vêm com o som do piano tocado pela Vânia ou pelo Jairo, a voz da Jurema ou do José. Lembro-me do orgulho que sentia ao caminhar ao lado de meus irmãos já moços, ou ainda, dos almoços de domingo em que todos se reuniam...
Preservar o amor entre irmãos é preservar a família. 
Irmãos são diferentes, a idade e a vida vão moldando as pessoas inexoravelmente. Irmãos têm atitudes que não aprovamos, muitas vezes dizem palavras que não queremos ouvir, agem  de forma que reprovamos. E eles também nos analisam da  mesma forma como nós os analisamos.
Mas o importante é que  temos uma história em comum. Vivemos momentos de alegria, de tristeza,  de sonhos e de esperança; rimos, choramos juntos muitas vezes.
A família sonhada por nossos pais, repito, perpetua-se em nós. 
Dos cinco filhos de meus pais, os três remanescentes, juntos,  celebraram com simplicidade o amor fraterno, o respeito ao outro e a certeza de que o que realmente importa nesta vida é o relacionamento que temos com  aqueles a quem queremos bem.


Imagens: Google



sábado, 9 de setembro de 2017

PEDRAS GRITARÃO

Nestes tempos em que a angústia assola a humanidade, trazendo temores e apreensões; em que as ameaças se concretizam em forma de pessoas inconsequentes, de grupos que se  pautam pela intolerância... Nestes tempos em que o homem sente   falta de segurança, em que percebe a irresponsabilidade e despudor de governantes e políticos... E mais ainda, nestes tempos em que a pequenez humana fica patente diante de catástrofes  provocadas pela própria  natureza...
Nestes tempos é bom lembrar  Mário Quintana e sua poesia, que nos faz refletir, sempre.

O SEGUNDO MANDAMENTO

Bem sei que não se deve dizer Seu santo nome em vão.
Mas, agora,
o seu nome é apenas uma interjeição
como acontece com "Minha Nossa Senhora!"
-  este belíssimo grito tão certamente errado
como o faz tanta vez o povo em suas descobertas.
A voz do povo é um Livro de Revelações.
Só tem que o tempo as foi sedimentando em sucessivas     camadas
E elas agora nos dizem tanto como uma pedra.
Agora restam-nos apenas as palavras técnicas
pertencentes ao vocabulário inerte dos robôs.
Porém um dia as pedras se iluminarão milagrosamente por dentro
porque só termina para todo o sempre o que foi artificialmente construído...

Um dia,
um dia as pedras gritarão!

Mário Quintana
Baú de Espantos
Rio de Janeiro, Objetiva, 2014