segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

RECEITA DE ANO NOVO

Para terminar o ano, meu poeta preferido: 
Carlos Drummond de Andrade

Estátua de Carlos Drummond de Andrade  
Obra de Leo Santana - em bronze
Calçadão de Copacabana - Rio de Janeiro
http://www.wikirio.com.br/

Receita de Ano Novo
                                 Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.
http://pensador.uol.com.br/

domingo, 29 de dezembro de 2013

CHUVA

A tão benfazeja chuva veio para aplacar o forte calor que vivemos nos últimos dias. Sendo Mogi uma cidade de clima temperado, estes dias de sol escaldante têm nos castigado bastante. 
E, em busca de um poema para acompanhar a música de Maria Gadú e Luiz Kiari Quando fui chuva, encontrei no blog do José Rosário, seu belo poema O que a chuva traz.
É esse um blog que deve ser visitado, pois  é uma verdadeira aula de arte, com a vantagem de trazer o espírito brasileiro, de Minas Gerais, temperando suas postagens.

O QUE A CHUVA TRAZ..
JOSÉ ROSÁRIO

Veio a chuva me dizer que o verão chegou
Trazendo memórias da infância,
Daquelas,
Que a velocidade dos dias
Insiste em manter distantes.
Embriagando de cenas
Minha retina já cansada de tanto presente.
Deixando imperfeito
Um pretérito cada vez mais meu.

Barquinhos na enxurrada
Represas que afogam lágrimas
Raios e trovões que partem a alma
Dias vestidos de cinza.

A criança que sou se escondeu
Num desses céus revoltos
Desarrumados de ventos e andorinhas.
A ameaça da vidraça que brilha
Olhos maiores que as órbitas
Goteiras nas latas a ninar insônia.

Desmancham as nuvens
Enquanto teço minha colcha de cacos
Enquanto sou só saudades e abraços
Dos distantes dias de verão
Da chuva que ressuscita lembranças.

http://joserosarioart.blogspot.com.br


Quando fui chuva
Maria Gadú e Luiz Kiari
Youtube

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

NESTE SEU NATAL

A todos os meus amigos, os meus votos de Natal.

Desejo a você
Noites enluaradas,
Róseas tardes
Manhãs de céu azul, sem nuvens,
apenas o azul e o sol.

Desejo a você
Abraços de amigos,
Beijos molhados de lábios infantis,
Olhares de compreensão,
Mãos que apoiam, que acariciam,
que se estendem, companheiras.

Desejo a você
palavras de estímulo, de encorajamento,
de carinho, de confiança,
e também de perdão, 
de compreensão.

Desejo a você
Um coração que bate forte e compassado,
capaz de resistir aos golpes da vida;
Pernas fortes que possam levá-lo aonde quiser ir...
E uma cabeça boa,
que identifique o certo do errado,
o justo do injusto,
e possa decidir o seu próprio destino.

Finalmente, desejo a você
a humildade de reconhecer as próprias falhas,
a delicadeza de perceber e compreender o outro,
a alegria das pequenas coisas e dos fugazes instantes de paz...

São esses os meus votos, para este Natal
e para os dias do Ano Novo,
e ofereço,  como um brinde, o meu carinho e a minha amizade.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

TEMPO DE NATAL

É tempo de Natal!
Todos os sentidos são estimulados: luzes, sons, aromas, delícias na mesa, abraços, beijos... Ao menos uma vez ao ano...

É tempo de Natal!
A sensação de abrir o coração para o outro parece renascer e campanhas, doações, ofertas são feitas aos que mais precisam. Ao menos uma vez ao ano...

É tempo de Natal!
Para muitos, a fé se renova ou renasce, e os templos se enchem de fiéis que creem, que buscam o perdão, ou que prometem, se comprometem. Ao menos uma vez ao ano....

É tempo de Natal!
As famílias se unem, em comunhão, relevando as falhas, esquecendo as mágoas, perdoando as faltas. Ao menos uma vez ao ano...

É tempo de Natal!
Os amigos se confraternizam, as diferenças são esquecidas, os ausentes são lembrados, há uma trégua nas disputas cotidianas. Ao menos uma vez ao ano... 

É tempo de Natal!
E como seria bom se esse tempo se prolongasse, permanecesse por todos os dias do Ano Novo, até que chegasse um novo tempo de Natal...




NATAL
Di Cavalcanti
http://www.cultura.rj.gov.br/materias/galeriabrasil

domingo, 3 de novembro de 2013

MINAS DE SAULLO E MORAIS



Para o livro Aldeia de Minas (Saullo e Morais - Editora Novo Mundo - 2002), o qual traz fotos e poemas que retratam a cidade de Passa Quatro, assim Rubem Alves iniciou seu prefácio:

Minas é onde o tempo passa devagar.
O passado não quer partir, teima, quer ficar...

E sobre os autores, em meio a uma prosa que é toda poesia, ele discorre:

O César Saullo fotografou esse passado que não quer partir, Minas Gerais.
Os olhos do Saullo fotografam o tempo que não quer partir, os olhos que sofrem de despedidas.

O Régis de Morais é poeta... Em Minas nascem os poetas... 
O poeta fala nos silêncios do visível. Põe palavras nos seus interstícios.

ESTAÇÃO

A estação sonha 
com silvos de locomotivas negras.
Dentro dela
triangulam sombras de aflitos,
famintos de distâncias.
O sonho
é hoje a essência rósea
da estação,
enlouquecida entre os girassóis 
de Van Gogh (meras florinhas
campestres)








"Uma luz, que na falta de palavra melhor, 
não posso denominá-la de outro modo, 
 senão amarela."

 (Van Gogh sobre Os Girassóis)








Respeitando os direitos dos autores, a foto da estação de Passa Quatro, aqui exibida,  foi copiada do Google Imagens, não sendo de autoria do fotógrafo Régis Morais.

Textos: 
SAULLO, Cesar; MORAIS, Régis. Aldeia de Minas. São Lourenço, MG: Novo Mundo,   2002.
Imagens: 
Estação de Passa Quatro - Minas Gerais, www.mildias.com, Google Imagens
Os Girassóis, Van Gogh, http://juliananomundodasartes.blogspot.com, Google Imagens

sábado, 5 de outubro de 2013

SEGUINDO O MOTE: AO BRILHAR DOS RELÂMPAGOS

São sempre poéticos os comentários de Eufrázio Filipe, do blog Mar Arável (mararável.blogspot.com). 
Aproveitei seu comentário à minha postagem de 21 de setembro e atrevi-me a continuar o poema. São dele os cinco primeiros versos.

AO BRILHAR DOS RELÂMPAGOS

Há flores em todas as estações
em todos os apeadeiros da vida
mesmo que chova ou faça sol

Por cá um dia brilharão
os relâmpagos
Iluminarão as sendas mais profundas,
e farão tremer pétalas e caules e folhas...

E nesse despertar de flor
olhos abertos, em procura infinda,
ela percorre as estações sem pressa,
mesmo que chova ou faça sol

O que procura, mulher-flor,
iluminada
por relâmpagos na noite infinda de todas as estações?
O que espera, flor-mulher,
da chuva e do sol,
a trilhar sem cansaço todos os caminhos?

Não há quem saiba, não há quem responda
mas em todas as estações, lá está ela, mulher flor,
em todos os apeadeiros da vida, lá está ela, flor mulher,
mesmo que chova ou faça sol

Um dia, talvez, quem sabe,
ao brilhar dos relâmpagos ela, enfim em sossego,
adormeça para sempre aconchegada
em um braço de mar...





Maria Emília Costa Moreira
Mulher-Flor ou Flor-Mulher.blogspot.com
(técnica mista s/ madeira: - areia, papel, conchas, cola, verniz e acrílico - 42x54) rep.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

SEMPRE O TEMPO...


Semana complicada...
Compromissos inadiáveis, documentos, chuva, cansaço...
Pouco tempo para os bons momentos...

Para compensar tudo de estressante que aconteceu nessa semana, a bela imagem da aquarela do amigo Marco Namura, aquarelista de Mogi das Cruzes, artista de reconhecido valor.
Perder-se nessas linhas e nessas cores, é alegria para a alma.

Aquarela
Marco Namura
Facebook

"Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu..."
Aquarela
Toquinho
A




sábado, 21 de setembro de 2013

ELA ESTÁ CHEGANDO!

Amanhã, ela vai chegar.
Perfumando a vida, 
invadindo olhares com suas cores, 
alegrando a alma com sua beleza.
É primavera!






FLORES DO NOSSO QUINTAL
Fotos de Ana Flávia Gatti

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

VIOLA E PAIXÃO




A princípio foi a música. 
Aqueles acordes doídos, profundos, atingiram-na, sobrepuseram-se à conversa. "Escutem, é música de viola..." Não a escutaram, a discussão esquentara, política inflama as pessoas, a música e a viola  tocavam somente a ela.
Aproximou-se da janela, a brisa quente trazia a melodia dedilhada, em tons menores, plangentes...
Silêncio, algumas palmas, "toca outra, mais uma..." Da sala vizinha, os sons recomeçaram, mais alegres agora. Ao seu lado a discussão: recessão, arrocho, terceiro mundo...
Hoje não queria discutir ou propor melhorias ao seu país, hoje queria apenas... ouvir uma moda de viola. A passos lentos dirigiu-se à sala vizinha. 
Viu primeiro a viola, a madeira polida refletindo a luz. As cordas, vibradas com maestria, tremiam, ora gemendo, ora chorando, ora vibrando em alegres sons.
Em seguida notou as mãos: magras, ágeis, longos dedos morenos que acariciavam as cordas em um misto de força, segurança e meiguice.
Só então observou o dono daquela viola, o dono daquelas mãos, o senhor daquela música. 
Curvado sobre o instrumento, os cabelos longos sob o chapéu, os olhos semicerrados, sentindo a melodia.
As palmas que se seguiram ao silêncio das cordas, fez com que ele levantasse os olhos e nesse momento se olharam pela primeira vez.
"Esta é para a moça dos olhos azuis."
Todos se voltaram para ela, que sentiu o rosto queimar.
Logo a música recomeçou e a envolveu. Como numa nebulosa escutou os sussurros da  pessoa ao seu lado: "Como toca, não? É amigo do meu irmão, foi ele quem o trouxe. Dizem que é a melhor viola caipira daqui da região..."
Mas, nada disso importava. A música era uma conquista, cada nota um carinho, como mãos se tocando, se reconhecendo...
Novamente a viola se calou. Novamente os olhos se encontraram e ela agradeceu com um sorriso.
Percebeu que ele se levantava, pousava com cuidado a viola sobre a mesa e chegava até ela.
A melhor melodia começava a ser dedilhada agora. E a dois...


Um violeiro toca
Almir Sater
Youtube

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

SOBRE NÚMEROS E CÁLCULOS: MALBA TAHAN

Conheci a obra de Malba Tahan ainda criança. 
Minha mãe nos contava histórias sobre divisões de camelos e cálculos incríveis, criações do escritor Malba Tahan, pseudônimo de Júlio Cesar de Mello e Souza.
O autor, professor e engenheiro, escreveu livos didáticos de matemática, assinados com seu nome real; e com o pseudônimo, vários livros de contos, histórias e lendas árabes. Seu livro mais conhecido "O homem que calculava", traz as aventuras de um calculista persa. Cada aventura traz um problema matemático e a resolução dada por Beremiz Samir "o homem que calculava".

Os  trechos que trago, retirados da obra citada acima, explicam de forma apaixonada e bela a ideia de número e da Matemática, como ciência:

Finda a prece, o calculista assim falou:
- Quando olhamos, senhora, para o céu em noite calma e límpida, sentimos que a nossa inteligência é franzina para conceber a obra maravilhosa do Criador. Diante de nossos olhos pasmados, as estrelas são uma caravana luminosa a desfilar pelo deserto insondável do infinito, as nebulosas imensas e os planetas rolam, segundo leis eternas, pelos abismos do espaço! Uma noção, entretanto, surge logo, bem nítida em nosso espírito: a noção de número.
[...]
O pensamento mais simples não pode ser formulado sem nele se envolver, sob múltiplos aspectos, o conceito fundamental do número. O beduíno que no meio do deserto, no momento da prece, murmura o nome de Deus tem o espírito dominado por um número: a Unidade! 
[...]
Do número, senhora, que é a base da razão e do entendimento, surge outra noção de indiscutível importância: é a noção de medida.
Medir, senhora, é comparar. Só são, entretanto, suscetíveis de medida as grandezas que admitem um elemento como base de comparação.
[...]
Em muitos casos,  [...] ser-nos-á possível representar uma grandeza que não se adapta aos sistemas de medidas por outra que pode ser avaliada com segurança e vigor. Essa permuta de grandeza, visando a simplificar os processos de medida, constitui o objeto principal de uma ciência que os homens denominam Matemática.
TAHAN, MALBA. O homem que calculava. 66.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: 2005.

Malba Tahan
1895 - 1974
Google Imagens

Para  conhecer melhor a vida e a obra desse fascinante escritor, segue o endereço do site oficial: http://www.malbatahan.com.br/


domingo, 8 de setembro de 2013

SOBRE VIDA, TOSHIKO E BIBI

A vida tem me oferecido momentos de puro prazer nesses últimos dias. Talvez por que eu esteja com o tempo e a tranquilidade necessários para perceber e sentir esse prazer, sem as preocupações que o trabalho nos proporciona. Agradeço a Deus por todos esses dias de tranquilidade e paz.
Entretanto, é difícil, em nosso cotidiano, nos lembrarmos de agradecer a Deus, pelo dom da vida, simplesmente da vida, sem que estejamos comemorando uma data especial, sem um motivo específico. 
E hoje vivi momentos especialmente emocionantes na comemoração da amiga Toshiko Namie, que celebrou uma missa no templo budista, para agradecer pela sua vida... Simplesmente, para agradecer pela vida...
Há alguns dias, graças à gentileza de Nazih Franciss, que ofereceu uma noite especial no Teatro Frei Caneca, emocionei-me também com a presença, palavras e principalmente com a força de uma mulher de 90 anos que canta com a mesma emoção e a  mesma voz, firme e forte, que sempre encantou plateias brasileiras e estrangeiras: Bibi Ferreira, cantando Piaf, é também um exemplo de louvor à vida.
Duas mulheres, dois exemplos de vida. A primeira que admiro por sua integridade, competência, simplicidade e dedicação à família e aos amigos. A segunda, por seu exemplo de uma vida inteira dedicada à arte e à música, em especial.
Essas duas mulheres fazem com que se acredite que viver é bom, que viver é partilhar momentos de alegria, e que é preciso, sempre, abrir nosso coração para a vida e para os bons momentos que ela nos oferece.


Bibi Ferreira canta Edith Piaf 

Je Ne Regrette Rien/ Hymne à L'amour

Youtube



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

VISITA DA LUZ

Conheci o fotógrafo Cesar Saullo em uns dias de descanso e paz em sua pousada em Passa Quatro, cidade centenária em Minas Gerais. 
Trouxe comigo, além da alma descansada e o corpo feliz - hiato em minha então atribulada vida -duas obras desse artista: Quintais, fachadas não, em parceria com Guiomar Paiva e Aldeia de Minas, em parceria com o poeta Regis de Morais.
O poema, de Regis de Morais, e que dá título à postagem de hoje é uma das joias dessa obra que muito me encanta.

VISITA DA LUZ

Em um dos remendos do mundo, a luz descansa.
Peregrina dos espaços, acende assoalhos, cimentos, estuques;
Recosta no velho banco o seu cansaço ornamentado de
panelas.
Na serra, a andarilha dos azuis descansa.
Perfilada em puro respeito, a galinha recebe a luz que visita a pobreza.
Uma eternidade anônima acomoda-se no instante.
SAULO, Cesar; MORAIS, Regis de. Aldeia de Minas.
 São Lourenço, MG: Novo Mundo, 2002.

domingo, 11 de agosto de 2013

BRINCOS




Moça com brinco de pérola
Jan Vermeer
www.allposters.com.br

Na obra de Vermeer, "Moça com brinco de pérola", o que sobressai é, sem dúvida,  o brinco, com seu brilho, seguido imediatamente do olhar da moça. 
Sem que houvesse qualquer relação, o texto a seguir, escrito há alguns anos, traz também, como detalhes, o brinco e o olhar...


SALA DE ESPERA        


            Pegue sua ficha e aguarde a sua vez
    À primeira vista, poderia passar por uma adolescente como tantas outras com quem cruzamos na rua, nos bares, nas tardes ensolaradas de uma cidade qualquer.
     A calça justa, a blusa que sugere um corpo jovem, os tênis da moda, tudo é cor, é movimento, é vida.
     Mas não o rosto. Observe o rosto atentamente. Neste momento está virado para a janela, perscrutando o horizonte em busca talvez de um pouco de azul entre o cinzento da cidade. Por isso só vemos os cabelos negros, lisos, curtos. Uma ponta de orelha e um brinco, inexplicavelmente, saborosamente amarelo.
     Mas, enfim o rosto. Ela se volta e o contraste é tão grande que é impossível desviar os olhos, é impossível até mesmo respirar. Um hiato e percebo que todos, como eu, a observam.
     Ela não se perturba. As pálpebras semifechadas,  os olhos não vêem o entorno, circundados por olheiras arroxeadas. O que mais impressiona é a palidez. Translúcida a pele, deixa entrever veias azuis que pulsam. Ou seria apenas impressão? Mas o nariz fino é real e a boca sem cor alguma é bela mas contraída, num rítus amargo.
     Uma porta se abre, uma voz que chama e um par de olhos azuis, imensos se revela e nos perdemos nesse olhar, misto de medo e resignação, de tensão e esperança.
Vida e de morte, se entrelaçando, aguardam um destino ou uma sentença.
O próximo, por favor...

sábado, 3 de agosto de 2013

APOSENTADA

Depois de quarenta e sete anos de magistério, como professora, inicialmente do ensino fundamental e médio, depois ensino superior e finalmente, como coordenadora de cursos superiores, estou aposentada!
E o que isso me traz?
Muitas coisas boas, que já começo a vivenciar...

Redescobrir a minha cidade, sem pressa, num sábado pela manhã, comprando coisinhas aqui e ali, olhando vitrines, reescrevendo meus passos, como turista na própria terra....
Rever amigos queridos, em jantar alegre e descontraído, numa sexta feira à noite, saboreando as memórias, compartilhando afetos, sorrisos e gargalhadas...
Sentar na rede, lá no meu quintal, olhando o neto, a imaginação infantil transformando uma caixa num possante carro, que brinca,  sorri e acena para mim...
Remexer a terra dos vasos, do canteiro, tirando ervas daninhas, sem pressa, sem planos, apenas usufruindo o momento...
Até agora, a alegria  tem sido minha companheira, espero que ela continue caminhando comigo.
E quando a saudade bater: dos amigos que deixei, dos espaços em que vivi e convivi, sentarei na minha rede, olharei o céu e agradecerei a Deus pela minha vida, pelos meus amigos e pelos momentos felizes que a vida tem me proporcionado.


Strawberry fields forever - Beatles
Duofel
Youtube


sábado, 13 de julho de 2013

PURA POESIA


São de Eufrásio Filipe, poeta português, os poemas que trago hoje. A profundidade que emerge da simplicidade dos versos curtos, a sugestão de imagens, a presença do mar, figura constante, encantam o leitor, sensível ao sentimento que transforma a palavra em pura poesia.
Seus poemas podem ser degustados no blog http://mararavel.blogspot. com.br.


Espaço para cantar

Nesta aldeia
de mares imperecíveis
e sábios tristes
íntegro um pássaro do alto
entendeu por bem
atiçar o fulgor dos timbres
regressar ao cais
soltar os barcos
e partir
nas cordas vocais
de uma guitarra

Nesta aldeia
refúgio
à flor das águas

ainda há espaço para cantar
                                                     Eufrásio Filipe


Google Imagens

Roubem-me tudo

Roubem-me tudo
os lápis de cores
as minhas flores preferidas

mas não me roubem
os olhos por onde vejo
um mar que não se verga

roubem-me tudo
menos um verso
                                          Eufrásio Filipe




A ostra e o vento
Chico Buarque de Holanda
Youtube

domingo, 7 de julho de 2013

UM BOM TEXTO

O que pode ser considerado um bom texto?

Durante anos, em sala de aula, procurei orientar os alunos a escreverem bons textos. Não sei se consegui. Alguns ainda guardo, pois a poesia, presente nas linhas adolescentes, destacava-se dos vários outros que refletiam  a dificuldade de transpor para o papel as ideias que brotavam sem freio, ou então as poucas ideias que o tema despertava. A busca pelo bom texto, pelas palavras certas, pela sequência lógica, foi sempre uma preocupação.

Dos alunos que tive, alguns são hoje poetas, alguns jornalistas, muitos professores. Mas, dentre eles,  havia aqueles que surpreendiam e superavam minha expectativa.

Tudo isso apenas para comentar uma crônica que li hoje, no Estadão, assinada pelo Fábio Porchat. 

Já admirava esse menino, novo ainda, e sua capacidade de nos fazer rir, nos programas da TV. Agora ele assina aos domingos uma crônica, ora com um humor inteligente, ora com uma crítica interessante. Mas a de hoje é emoção pura. Fala dos sentimentos ao ver que a casa em que morou na infância não existe mais. 

Ao terminar de ler a crônica, com olhos marejados, constato que o bom texto é aquele que  toca o leitor, que faz despertar  a emoção e compartilhar o sentimento.

Minha casa minha vida (trechos)
Fábio Porchat
[...] Dia desses, resolvi, a caminho do hotel, passar pela minha antiga rua, pra matar as saudades. Quando parei o carro na frente da casa, qual não foi minha surpresa? Não havia mais casa, só um buraco gigante entre os meus vizinhos. A casa foi demolida. [...]

De repente, pensando em tudo isso, parado, perplexo, eu vi minha casa ali de novo, na minha frente. Exatamente como eu havia deixado. E percebi que, na verdade, ela só tinha sido demolida se eu estivesse de olhos abertos. Se eu fechasse os olhos, a casa estava lá, pronta pra morar, com todos os móveis, com toda a minha família comemorando o meu aniversário de dez anos, com minha irmã chorando porque eu impliquei com ela, a minha mãe costurando durante a noite enquanto assistia a um filme na sala, com o meu quarto cheio de bonequinhos do He Man... Pense na casa da sua infância agora. Feche os olhos. Viu? Ela também está lá. E digo mais. Se bobear, nós somos vizinhos!

O ESTADO DE SÃO PAULO. Caderno 2. p C6.  07/07/2013. 


quinta-feira, 4 de julho de 2013

MEU QUINTAL II


Aproprio-me  da aquarela de Marlene Edir 
(alemdoquintal.blogspot.com.br) 
para introduzir minha postagem de hoje.


Dia com chuva - Aquarela - (detalhe)
Marlene Edir

Escrevi o texto abaixo há quase dois meses.. Com a correria de final de semestre, ficou em rascunho até hoje. O que era prenúncio de inverno,  já é inverno pleno, com temperaturas baixas para nós, que temos um tempo ameno e mais propenso ao calor. Mas o quintal está quase todo verde. A grama cresce, as plantas voltam a ter viço. A vida recomeça...

MEU QUINTAL II

Um coro de andorinhas invadiu meu quintal hoje, após a chuva forte que trouxe novamente o  frio, prenunciando o inverno. Corri para recolher a roupa que balançava ao vento, quase seca, neste domingo preguiçoso.

Após a reforma, meu quintal é agora apenas área de lazer, tudo o que lembra trabalho:  materiais de limpeza, baldes, bacias, etc, ficam na área de serviço, próxima à cozinha, e  os varais, por sua vez, ficam na área lateral de minha casa. Motivo de reclamações do Júlio, que não se conforma em ver o sol forte lá no fundo e a roupa a secar na área sombreada, que recebe, neste outono, apenas o sol forte do meio dia.

Lá no fundo,  já passaram os pedreiros, os pintores, o eletricista, falta agora apenas o jardineiro para recuperar a grama destruida e replantar o que consegui salvar em vasos.
Felizmente o pé de café resistiu, bem como o arbusto - neve da montanha -  que trouxe em forma de semente de Águas de São Pedro e hoje  está forrado de flores brancas.

Reli minha postagem de outubro (01/10/2012) e percebo que já se passaram sete meses. Do projeto à construção terminada foram tempos difíceis, em que tentei conciliar obra, trabalho, crianças, rotina da casa e da Faculdade. O corpo cansado e a mente inquieta pediam momentos de descanso, que eram poucos frente ao acúmulo de tarefas e encargos.

Mas finalmente, a casa volta à tranquilidade, sem o vaivém de trabalhadores, apenas com a correria dos netos que aqui passam todas as manhãs.

Mais algum tempo e meu quintal estará pronto para a preguiça do domingo, na rede,  para o canto dos passarinhos e finalmente para o renascer da vida em forma de flores e frutos.

Amora
Renato Teixeira
Youtube




domingo, 30 de junho de 2013

FILOSOFIA DE FLOR

Para uma amiga que passa por momentos difíceis, ofereço Filosofia de flor


Flores embelezam.
Flores nos trazem perfume,
cor, harmonia...
Flores se manifestam em força que brota, invade, desabrocha.
Mas,
Flores às vezes se tornam vulneráveis:
sofrem, e se guardam
à espera da Natureza - Mãe
ou da  mão protetora do Jardineiro.
Elas parecem tão frágeis, tão pequenas,
mas em si encerram a força que as mantêm.
A seiva se nutre da esperança benfazeja
e elas confiam na mão que traz a vida e a força novamente.
Flores são sábias:
Logo estarão novamente
desabrochando em brotos:
embelezando a vida,
espalhando o perfume,

a cor e a harmonia.





Fotos: Ana Flávia Gatti (Berlim e Dresden) 
e Jane Gatti (Flores do meu quintal)