quarta-feira, 23 de julho de 2014

CRÔNICAS DA MINHA TERRA: ESTÂNCIA DOS REIS






O barulho cadenciado das patas dos cavalos no calçamento da cidade é a lembrança remota, audível ainda, embora apenas em minha memória afetiva. Em seguida a chegada e o apear da charrete diante do portal em arco, pois o cavalo não passaria pelas madeiras assentadas uma ao lado da outra - o chamado mata-burros. Meus pés, pequeninos, pulando uma a uma imaginavam cenas de cavalos enormes com suas patas quebradas.
A mão da mãe, segurando firmemente, me encorajava e eu, bravamente, ultrapassava a barreira e entrava em um mundo mágico de prazer e beleza.
As lembranças se confundem e espaços harmoniosos vêm à minha lembrança: uma pequena ponte que levava a uma ilhota, uma nascente, onde fui informada de que os peixinhos que via correrem rápidos eram na verdade os futuros sapos e seu nome, que guardei para sempre, os girinos.
As árvores que faziam uma sombra agradável, o caminhar despreocupado, o domingo de sol.
Essas lembranças se confundem com outras, em que eu, já adolescente, junto a colegas de classe, participava de um almoço no amplo salão. Não havia mais a magia, nem o descobrimento de novas criaturas, mas sim a camaradagem, a amizade. Não me lembro de rostos, ou de falas. Sei que estavam todos lá. Estariam mesmo? A memória tenta preencher lacunas. Não há certezas...
Estância dos Reis. O espaço belíssimo, agradável, em local privilegiado, teve seu fim e em seu lugar um conjunto residencial se instalou. Somente restou a sede - o hotel - com sua arquitetura encantadora entre árvores e jardins.
O bairro cresceu, as ruas foram calçadas, novas construções, o progresso. Edifícios, comércio.
Ali voltei e por alguns anos, mas sem que as lembranças que hoje se instalam tivessem uma referência. Fui professora  na escola que se instalou no espaço preservado da antiga Estãncia: mais claramente: na antiga construção do hotel e em anexos ali construidos.
O tempo se encarregou de criar um novo perfil ao lugar, Crianças correm por ali, agora uniformizadas, e não mais em busca do conhecimento palpável do contato à natureza, mas em busca do conhecimento formal, da formação educacional. A magia, que tanto me encantava, não mais existe. A ilhota há muito deixou de existir e, se há girinos, eles se escondem em algum canto remoto, à sombra de olhos ávidos.
Tudo se foi. O espaço, as charretes, que não cabem mais neste trânsito de hoje, a mão firme e carinhosa da mãe, a inocência, a ingenuidade...
A antiga Estância dos Reis continua bela e vibrante apenas em minhas lembranças e naquelas dos que ali também brincaram em tardes ensolaradas de domingo.



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