terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

RECORDAÇÕES

"Recordar é viver: eu hoje sonhei com você!" A marchinha de carnaval traz lembranças guardadas no fundo da memória. Remexendo caixas com fotos, que aguardam o carinho e a proteção do álbum há tanto planejado, encontro a foto em preto e branco. Lembro-me do texto, sem data, escrito há um bom tempo, e o encontro rascunhado no verso de um requerimento, rasgado pela metade... É o mote para esta postagem, que traz também Portinari, sempre incomparável e Mário Quintana, amoroso, delicado. É preciso dizer mais? Saudade...

AMIGOS

A foto antiga
mostra a turma unida, abraçada.
Turma que se reunia
ao findar a tarde,
e a rua.
A alegria se desdobrava em folguedos inocentes:
a corda, a amarelinha, o pique,
a mãe da rua, passa anel...

Em meio aos garotos, agachados,
Duas meninas em pé, braços dados,
sorridentes...

Tempo feliz!

Onde estão todos?
Naquele final de rua hoje há lojas e escritórios,
a turma se desfez, se perdeu no tempo.
Resta apenas a mulher
que procura encontrar dentro de si
a menina alegre
que pulava corda ao entardecer...


Cândido Portinari: Crianças Brincando óleo sobre tela, 1938.

SEGUNDA CANÇÃO DE MUITO LONGE
Mário Quintana

Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro...

Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa...

Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes,  cavernosas como vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia azulejos reluzentes, o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas...
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos...
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras...
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar a Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!...
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!
Primeira publicação em livro: 1946

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